Deuses Americanos

A nova série do canal de streaming Amazon Prime Video, hoje a maior competidora da Netflix – mas ainda não tão badalada aqui pelo Brasil, chegou causando. Em primeiro lugar por trazer atores menos conhecidos, com a exceção de Gillian Anderson (que além da eterna Dana Scully de Arquivos X também trabalhou em Hannibal recentemente) e em segundo por ser roterizada e produzida por Bryan Fuller (também de Hannibal) que possui uma assinatura bastante polêmica em seus trabalhos, usando de muito simbolismo, cores vivas e sonorização expressiva.

Deuses Americanos (American Gods – 2017, EUA) é baseado em um romance de Neil Gaiman (autor também de Sandman, Stardust e Coraline), um novelista britânico que descreve, através dos olhos de um ex-presidiário recém liberto, uma guerra começando entre “deuses antigos” e quase esquecidos, trazidos para a América por imigrantes e “novos deuses”, representando conceitos nos quais as pessoas colocam sua fé hoje em dia, como a mídia e a tecnologia. O seriado foi programado inicialmente para 10 episódios mas acabou sendo enxugado para 8, com uma segunda temporada já confirmada.

Para a alegria do time criativo: Michael Green, Neil Gaiman e Bryan Fuller

Para a alegria do time criativo: Neil Gaiman, Bryan Fuller e Michael Green (produtor executivo)

A série é excelente e profunda, mas não é sem suas complicações. Como alguns outros seriados (Vikings, por exemplo) ela só me deixou “na fissura” depois do terceiro episódio. Isso acontece com diversas produções que hoje adoro, mas que demorei para conectar com a vida dos personagens. Outra “complicação” é a erudição de Gaiman que trata corriqueiramente materiais um tanto quanto complexos ou obscuros e que Fuller não se esforça muito para facilitar esse conhecimento. Como exemplo temos já no primeiro episódio uma “deusa” chamada Bilquis, apresentada como uma Sucubus – uma demônio de forma feminina que “devora” as pessoas que seduz e também conhecida como a Rainha de Sabá. Também tem papel importante divindades da mitologia eslava, virtualmente desconhecidas fora da Rússia e de comunidades eslavas, as três irmãs Zorya: Vechernyaya (a do entardecer), Utrennyaya (a do amanhecer) e Polunochnaya (a da meia-noite), assim como Czernobog, um deus sombrio, sem maior apresentação. O uso de tantas mitologias (não tão conhecidas do público) com diálogos rápidos e de vocabulário rebuscado, fazem a série soar bastante pernóstica no começo. Eu, assim como o personagem principal, fiquei me sentindo um pouco perdida e precisei recorrer à Wikipedia várias vezes. Não que isso realmente chegue a atrapalhar a compreensão da história, só representa um desafio maior para os curiosos de plantão.

Zorya Vechernyaya é das minhas

Zorya Vechernyaya é das minhas

De qualquer forma, Gaiman elogiou bastante a execução de Fuller, que parece beber em fontes tão diversas quanto o obscurantismo de David Lynch, o non-sense surreal de Monty Python e a ultra-violência de Laranja Mecânica, Tarantino e Robert Rodriguez, além de outras tantas do universo pop em geral. Aliás, na abertura, são usadas imagens icônicas representando a formação e obsessões da nação americana (cowboys, robôs, drogas e remédios, carros, etc.) que acabam por formar um totem, símbolo de adoração das tribos nativo-americanas, encabeçado por uma águia, símbolo dos EUA. O próprio personagem tem um nome curioso (Shadow Moon, vivido por Ricky Whittle, o Lincoln de Os 100), que remonta ao movimento hippie onde era comum aos jovens dar nomes ligados à natureza aos seus filhos. Ricky, aliás, está excelente na sua atuação deixando de ser só um rosto e corpo – aliás, que corpo – bonito.

... que corpo...

… que corpo…

A trilha sonora é ótima, assim como a fotografia e figurino, mas quem realmente se destaca nos 6 primeiros episódios que já foram exibidos foi Gillian Anderson. A atriz está simplesmente brilhante e, se não levar um Emmy de melhor participação especial para casa, acho que será realmente injusto. Sua caracterização como David Bowie está perfeita (e o diálogo é uma divertida citação atrás da outra)!

Ela não veio do espaço, mas arrasou como Bowie

Ela não veio do espaço, mas arrasou como Bowie

A temática pode não agradar gregos e troianos, mas Deuses Americanos é a segunda série original que assisto produzida pela Amazon  (a primeira foi O Homem no Castelo Alto que também fez bonito nas duas primeiras temporadas) e, pelo andar da carruagem a competição entre Netflix e Amazon Prime Video vai ser pesada se mantiverem esse nível de qualidade (e quem ganha somos nós no fim das contas). Resta ficar de olho que tem mais material original vindo por aí e é claro que vamos contar sempre que soubermos alguma novidade pra vocês aqui.

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